A VIAGEM FANTASTICA
O sonho de conhecer o mar estava
mais perto de se tornar realidade. Tudo começou com um inusitado convite, minha
irmã e o marido já tinham comentado sobre a vontade que tinham de fazer uma
viagem e na empolgação do momento resolveram incluir toda a família nesse
programa. Ela, o marido, 02 filhos, a sogra, meu pai, minha mãe, meus 02 irmãos
e minha irmã mais nova e eu, claro (ufa!) ao todo 11 pessoas numa Kombi (será
que cabe todo mundo!). À época estava em
plena adolescência e muitos, muitos sonhos.
O plano era aproveitar o período
de férias escolares, para sair de Anápolis e ir conhecer o mar de Guarapari,
passando ainda por Ouro Preto, Belo Horizonte e outras cidades. Era aventura demais
para adolescentes que nunca tinham saído de Goiás. A falta de dinheiro era o
menor dos problemas, já que desde que eu me lembre, lá em casa, sempre
estivemos com orçamento curto. A expectativa era tão grande que dormir ficou em
segundo plano. Simplesmente ninguém conseguia conciliar o sono, ficávamos
imaginando a estrada, as cidades, e o melhor de tudo, o mar. Já sabíamos que
era salgado (minha irmã havia comentado), de um azul indescritível, com muitas
ondas para pular, pura diversão.
Numa reunião ficou acertado que
iríamos fazer roupas de praia (maiô, chapéus, bermudas, camisetas, saídas de
praia), não tínhamos idéia do que usar, mas mesmo assim minha mãe e minha irmã
se esmeraram na confecção das peças. Que claro ficaram ridículas, mas só
descobrimos isso quando chegamos lá.
Ah! Preparar a comida para levar
foi um capítulo a parte, tudo planejado para gastar o mínimo possível, incluía
levar farofa de frango (coisa de mineiro), carne de porco na banha, pães,
bolachas, mantimentos para preparar as refeições no meio do caminho. Outra
preocupação foi a confecção de uma barraca (novamente a falta de dinheiro). O
meu pai improvisou uma grande lona preta sobre armações de ferro, tudo muito amador.
No dia da viagem, é claro,
ninguém dormiu. O combinado era sair de madrugada para aproveitar o trânsito
mais tranquilo e a temperatura mais amena (outra mania de mineiro). Às três horas
da madrugada, já estávamos todos a postos, aguardando a Kombi chegar, o que não
tardou a acontecer. Havia uma alegria, um burburinho, não conseguíamos parar de
falar, tamanha era a expectativa.
E assim, começou o que seria a
nossa grande aventura. Onze pessoas num carro não muito confortável para uma
viagem de dois dias rumo ao Oceano Atlântico. Embora ansiássemos em ficar
acordados para não perder nada do roteiro, o sono era mais forte, e não teve
jeito, o cansaço nos venceu por completo e só acordamos lá pelas 11 horas, com
minha mãe preparando o almoço e fazendo um cafezinho para o meu cunhado.
Estávamos parados a beira da estrada sob uma imensa árvore, com um fogareirinho
a gás, um cheiro gostoso de café, e uma imensa vontade de chegar logo ao
destino.
Sentados ali, saboreamos a famosa
farofa de frango, tomamos um suco e retornamos a viagem. Infelizmente, tivemos
uma surpresa desagradável, uma infecção intestinal nos surpreendeu algumas
horas depois. Todos ao mesmo instante começamos a sentir dores abdominais,
exceto as crianças, que tomaram só leite e minha mãe que preferiu comer apenas
um pãozinho (um caso de amor eterno, mamãe adora pão). Aí, não teve jeito era
preciso parar de meia em meia hora para sairmos correndo para ir ao banheiro,
nem sempre dava tempo de ir a algum posto de gasolina, era preciso utilizar o
primeiro matagal que aparecesse. Ficamos assim o dia inteiro, tomando bastante
água e rezando para melhorar as dores estomacais.
Na realidade, o que deveria ser
uma tragédia, serviu apenas de piada e ficávamos rindo com os pedidos a todo
instante implorando: Pára, pára, pára, por favor. Nessa confusão, conseguimos, à
noite, vislumbrar as luzes de Belo Horizonte cruzando o nosso caminho. Mas conhecer
a cidade ficaria para a volta, fomos em frente, para procurar um local que
pudéssemos parar, preparar o jantar e dormir um pouco. Meu cunhado então
decidiu estacionar o veículo embaixo de um grande bambuzal, com a linda visão
da cidade lá embaixo.
Dormir era outra aventura. Como
acomodar 11 pessoas numa Kombi, mesmo com muita força de vontade não dava. Meu
pai foi, então, improvisar um puxadinho com uma lona para os que não tinham
onde se encostar. No chão apenas uma esteira de bambu como colchão, e assim
tentar descansar um pouco. Infelizmente, naquela altura, o problema estomacal
persistia e alguém, que aqui não cabe tentar descobrir quem foi, conseguiu
sujar a tal da esteira e ficou impossível dormir ali. Mas uma vez, foi uma
risada geral. Não adiantava ficar mal humorado o jeito era rir de tanta
desgraça.
Na manhã seguinte, o sol veio nos
acordar cedo, aos que tinham conseguido dormir, claro. Ele entrava sem
cerimônia no veículo, nos lembrando que era hora de recomeçar a viagem. Café
feito, retornamos a estrada. Logo, vislumbramos a cidade de Ouro Preto. Paramos
e fomos conhecer as igrejas, as estátuas de Aleijadinho, corríamos como
crianças pelas ladeiras (preciso voltar lá e refazer esse caminho para viver de
novo tanta emoção). Seguimos em frente, passando por Mariana, Sabará. E não sei
se foi proposital ou se erramos o caminho, fomos parar em Cachoeiro do
Itapemirim, a terra do Rei Roberto Carlos. Ao saber disso ficamos deslumbrados
e imaginando se íamos encontrar o Rei por lá.
A cerca de 100 quilômetros de
Guarapari, minha irmã nos alertava: “’Sintam o cheirinho do mar’’, e apesar da
boa vontade não conseguíamos sentir nada, mas mentíamos, “é mesmo’’. A tarde
veio nos encontrar entrando em Guarapari, e com a minha irmã insistindo no tal
do cheirinho do mar. É claro, como todo bom mineiro, assim que vimos o mar,
colocamos um short e fomos correndo encontrá-lo. Foi tanta emoção (canção do
Rei), tanta alegria que todos parecíamos crianças na noite de Natal.
Passado o deslumbramento, era
hora de voltar à realidade. A próxima tarefa seria montar a barraca (com vista
para o mar, claro), o que exigiu muito esforço, e a noite chegou antes que
pudéssemos terminá-la. Mamãe preparou um macarrão, que estava delicioso
(tamanha era a fome), brincar no mar dá uma fome. Saboreamos o jantar e fomos
nos preparar para dormir, porque o dia seguinte ia ser longo. Fomos nos
acomodando no que dava (não tinha colchão), umas esteiras de vime e uma bóia de
caminhão para encostar a cabeça, como se fosse travesseiro.
Não esperávamos, mas, na
madrugada, uma forte chuva quase destruiu a barraca por completo, nos deixando
quase ao relento e todos encharcados. Com gritos de “salve quem puder”, meu pai
nos acordou e ficamos, assim, segurando as pontas da lona, tamanha era a
ventania. Apesar de tanto contratempo, mantivemos, ainda, o bom humor, porque
afinal de contas estávamos realizando um sonho. De manhã, meu pai e meus irmãos
improvisaram uma barraca com um pedaço do tronco de uma árvore e aí, sim, fomos
todos conhecer definitivamente o mar. Estava ele ali, de um azul imenso,
indescritível, e nada poderia estragar esse momento.
A bóia de caminhão então teve a
sua utilidade, apesar de meio tímidos, fomos relaxando e aproveitando para
brincar a tarde toda. O dia seguinte foi outra história, como não tínhamos
protetor solar, passamos o que se usa no interior: óleo Johnson com urucum, o
que não protege nada, apenas nos fez fritar ao sol. Ficamos tão avermelhados, que
a noite não conseguíamos dormir, tudo doía. No dia seguinte, a solução foi usar
Hipoglós em todo o corpo e ficamos assim parecidos com palhaços brancos o dia
inteiro.
A falta de experiência nos fez
penar um bocado, mas nada arrefecia o nosso ânimo. Acho que todos os novatos
passam por isso. E assim, ficamos uma semana inteira passeando, nadando e
comendo macarrão da mamãe (tudo de bom!). Às vezes um pão com salame, um peixinho
frito. Algumas brigas foram inevitáveis já que o grupo era muito heterogêneo.
Meu pai era o mais beligerante, e se tomasse umas pinguinhas então, ficava
intragável. Mas tudo no final foi
contornado.
Terminada a semana era hora de
voltar. Nada de dor de barriga, ainda bem. Só a pele toda descascada e com
bolhas. Fomos a Belo Horizonte então, visitar um amigo do meu cunhado, que
cidade grande, fomos ao Mineirão, a Pampulha, parecia tudo mágico. Fomos
convidados para o casamento desse amigo e tivemos que improvisar roupas, já que
fomos despreparados para esse evento. A cerimônia foi muito simples, mas o bolo
estava uma delícia e pela primeira vez tomamos champanhe.
Enfim, o sonho acabou. No domingo
retornamos a Anápolis e essa viagem foi assunto para muitas e muitas reuniões
familiares. Sempre que viajava com meus filhos, eles pediam para falar sobre essa
viagem, que no imaginário deles foi uma grande aventura, coisa de cinema. E
assim, resolvi relatá-la aqui, para fazer um registro de nossas memórias.
Ri demais dessa aventura de mamãe!!! beijos, Vanessa
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